Márcio Villar campeão Survivor da Ultramaratona do Pico da Bandeira
21 de junho de 2010
Recorde da Double Badwater em 2010
27 de julho de 2010

Abaixo está o relato do Luis Tadeu, que mostra um pouco de como foi a Double Badwater 135 – 2010

Voltei nesta semana, mais precisamente no dia 19, do desafio mais intenso e difícil da minha vida, até o momento. Você deve estar se perguntando: Nossa, mas que desafio é esse? 

Trata-se da Badwater, ultramaratona no deserto da Carlifórnia que tem como objetivo cruzar os pontos mais difíceis e quentes e também com uma altimetria complicada. A prova normal consiste em vencer 135 milhas (217km) em até 60 horas. Este é o desafio, esta é a competição entre os mais de 60 ultramaratonistas do mundo todo. Márcio fez o mesmo percurso duas vezes seguidas, ida e volta. 434km em 5 dias. 

Márcio Villar, ultramaratonista, me convidou para fazer parte de sua equipe de apoio nesta etapa há cerca de 1 ano. Imediatamente aceitei e comecei logo os preparativos que incluiam juntar a grana para a passagem entre outras coisas (passaporte, visto, etc). 

Tudo ‘ok’, malas prontas, passaporte carimbado, dinheiro. É hora de partir. Meu voo no dia 8 de julho foi às 21h55 com escala em Houston-EUA para depois pegar um novo voo até Las Vegas, onde cheguei por volta de 9h30 do dia 9.  Até então, dentro da aeronave e em seguida, dentro do aeroporto ainda não tinha me dado conta nem sentido sequer um calorzinho, afinal o ar condicionado lá funciona muito bem e 24 horas por dia. 

 

Ih! Não tem ninguém me esperando. E agora? Meu inglês é mais pra lá do que pra cá e não sei usar este orelhão!! Meu Deus! 

Após 1 minuto de silêncio e olhando à minha volta, comecei a circular dentro ainda do aeroporto Mc Carran. Fui à uma loja e comprei um cartão pré-pago para usar o orelhão e assim entrei em contato com a Rozana, agora eterna amiga, gente boa toda vida e que está sempre recebendo os astutos brasileiros que vão até lá para correr. 

A ligação caiu na caixa de mensagem e após 1 minuto aproximadamente ela retornou e por sorte eu estava ainda ao lado do orelhão arrumando minhas coisas. Olhei para um senhor que mexia no celular, sentado ao lado, que mexeu a cabeça indicando que era o orelhão que tocava. Atendi. 

– Hello? 

– Hi, you called me? 

– Rozana? 

– Yes. 

– You speak portuguese? 

– Yes. ( pensei: porque ela não respondeu em português) 

– Que bom!!! É o Todd, Tadeu.. 

E aí foi só marcar e encontrar e em seguida sentir aquele mormaço gostoso de uns 48 a 50º, pelo menos até entrar no carro – com ar condicionado. 

 

Nossa, como faz calor, é muito quente mesmo! Na cidade já era quente e eu ficava imaginando o que iríamos enfrentar no deserto. Correndo dia e noite durante 5 dias. 

Márcio Villar chegou no dia seguinte e também Cory, Geff e o Luke. Cory (americana, enfermeira) e Geff (neozeolandês, médico), os dois são namorados e vivem em Colorado-EUA, nunca tinham participado de nada parecido e não conheciam ninguém, nem o Márcio, a não ser pelos diversos e-mails trocados nos contatos anteriores. Luke (americano, tenente da Marinha) é um grande garoto, conhecido do Márcio e o qual também tive a honra de conhecer na ocasião de um desafio que fizemos aqui no Brasil (Rio x Búzios pelo INCA). 

 

 

Tínhamos aí apenas 1 dia e meio para aclimatar não só à temperatura mas também ao fuso de 4 horas a menos com relação ao Brasil. Num lugar onde só anoitece por volta de 20h, os sentidos ficam meio alterados. Passamos a maior parte do tempo fora da casa ou fora dos lugares onde havia ar condicionado para poder acostumar um mínimo que fosse com a temperatura local. 

Ainda neste dia fizemos as compras no Wal Mart (comida, água, etc) e partimos no fim da tarde para Furnace Creek Ranch, um hotel muito legal que fica há cerca de 2h30 de Las Vegas e 20 minutos da largada da competição. 

No dia seguinte, 11, foi o dia de retirada dos kits e mais tarde teve reunião para instruções sobre o percurso aos atletas e membros das equipes. Márcio e eu estávamos ‘chapados’ de sono e não fomos à reunião. 

 

 

No dia 12, acordamos por volta de 6h e colocamos tudo no carro, todos devidamente uniformizados e preparados, com espíritos guerreiros sabendo que iriam enfrentar nada mais nada menos que uma sucessão de batalhas contra o sono, cansaço, fadiga, calor, medo, angústia e também contra o tempo. Tudo pronto: Mente, corpo, esspírito e natureza (deserto) em perfeita harmonia. 

Márcio largara às 8h. Antes já havia acontecido uma largada às 6h e ainda aconteceria uma às 10h. Foi uma celebração, uma festa só! Todos muito empolgados e capacitados, aptos a estarem ali e prontos a oferecer o suporte necessário para que o Márcio e toda equipe terminasse vencedora e cumpridora dos seus objetivos. 

 

Parecia até que já nos conhecíamos há muito tempo, um entrosamento perfeito de uma equipe que buscava superação individual no coletivo, se é que me entende. Cada um de nós estava ali pelo objetivo principal de dar apoio ao Márcio mas com vários outros objetivos e metas para cumprir consigo mesmo.  Nós nos divertimos muito enquanto trabalhávamos. Ora um corria ao lado do Márcio, outros dois, quando o carro parava, davam apoio com água, alimento. E o outro dirigia. E assim íamos revezando nestas atividades e claro, havia também o momento em que um dos 4 apoios tirava seu descanso, não mais do que 30 minutos no banco do carro mesmo. 

 

Foram momentos intensos, lugares maravilhosos, paisagens inesquecíveis, muito aprendizado. Nesta altura do campeonato (literalmente) eu já conversava com os três numa boa e podia compreender 80% da conversa paralela. Sabe quando um ‘gringo’ fala português assim: Ele fui ver. Você falar. Etc? Então, era assim que, segundo o Luke (que fala português também) disse que eles me entendiam, mas entendiam ora!! (risos) 

Márcio terminou esta primeira etapa em apenas 36 horas. Um tempo considerado muito veloz para quem pretendia fazer uma double da prova. Em momento algum um atleta o desanimou ou coisa parecida por conta disso, do tempo, pelo contrário, todos sem excessão o parabenizava e dava força para que seguisse em frente! (RECONHECIMENTO – como é importante o apoio externo também). 

 

O ponto de chegada da prova é na montanha mais alta da zona continental dos Estados Unidos (esta zona, exclui o Alasca), o Monte Whitney, com 4.421 metros de altitude. Lá faz frio e até neva. Não chegamos ao cume, apenas uns 1500 metros abaixo dele talvez, mas já deu pra sentir o frio e a diferença por causa da altitude. 

Primeira parte finalizada, medalha e fivela no peito. “Dor e incômodo passageiros, mas o orgulho eterno” (Márcio Villar). Fomos para o hotel novamente, desta vez na pequena cidade de Lone Pine, no condado de Inyo, com cerca de 2500 habitantes. Fica há aproximadamente 1380m acima do nível do mar. Ali tivemos a primeira surpresa da noite, não havia quartos disponíveis na cidade inteira e o quarto que Geff e Cory reservaram era para o dia seguinte, esperando que o Márcio fosse mais lento! (risos) 

Márcio descansa no carro enquanto procurávamos um quarto para descansar. 

Agora podemos rir não é, mas foi meio tenso, afinal onde iríamos tomar um banho, descansar e recuperar energias para enfrentar daqui a 7, 8 horas a volta – ainda havia 217km para percorrer. Ei, estamos fazendo a double, precisamos de um quarto! 

A segunda surpresa da noite é que não contávamos com corações tão generosos e grandes de nossos amigos (Rozana, Jarom, Farinazzo, Ariovaldo, Meg, e outros) que ao saberem da nossa situação se apertaram em um quarto e nos cederam o outro e assim conseguimos deitar tranquilos. (GENEROSIDADE, AMOR – o esporte nos ensina isso e a vida nos dá oportunidades todos os dias de mostrarmos a gratidão e o amor). 

Ufa.. mais correria! Conseguimos dormir cerca de 5 horas e já estávamos de pé para mais uma! Retornamos ao Monte Whitney e novamente largamos. Márcio, apesar de neste momento ser descida, segurou as ‘pontas’  e foi de leve para não maltratar demais o joelho, principal preocupação do ultramaratonista. 

 

No caminho começamos a encontrar vários atletas que ainda estavam por terminar a prova e Márcio não perdia a oportunidade de dar aquele incentivo, um abraço e um grito: Vamos lá! 

Várias equipes que haviam terminado e voltavam para casa paravam ao longo do caminho para nos dar apoio, incentivo e também saber se precisávamos de alguma coisa. Jarom havia falado na reunião de confraternização que nós estávamos fazendo a double e que precisávamos de força, incentivo e também água, alimento e gelo. 

Todos que passavam, sem excessão, paravam e nos ajudavam com o que podiam, às vezes até apenas com palavras. Foram cenas emocionantes e que funcionaram muito bem deixando a todos muito contentes e principalmente ao Márcio. 

 

Lembro-me de um corredor que passou de carro e andando lentamente do nosso lado (estávamos eu e o Márcio) ele disse: Márcio, você está provando que o impossível não existe. Quando eu traduzi para ele esta frase ele aumentou ainda mais o ritmo de sua corrida me obrigando a segui-lo na mesma passada. 

Outras tantas frases de apoio vieram e encheram o coração do Márcio de carinho. Foram momentos impressionantes. Um casal por duas vezes foi ao nosso encontro em dois horários distintos (tarde e noite) para nos levar café quente e saber se precisávamos de mais alguma coisa. 

Dentro da própria equipe surgia admiração e surpresa. Lembro-me do Geff comentando: Ele é forte, rápido. Nós que estamos aqui no carro ficamos cansados ao correr ao seu lado. 

Além de diversos curiosos que simplesmente passavam e queriam saber mais sobre o que estava acontecendo. Se assustavam mas saiam inspirados. 

Mas foi algumas horas depois, já anoitecendo que o Márcio começou a demonstrar sinais mais fortes do cansaço provocado pelas extensas horas acordado, desgaste físico e mental, calor extremo de 60º que chegamos a pegar e com sensação térmica maior ainda, um lugar onde o vento só vem quente e os olhos queimam, a boca fica rachada. Nesta hora eu corria com o Márcio e a Cory veio em nossa direção. 

O carro de apoio andava cerca de 1km à frente do Márcio e parava. Os membros da equipe descem do carro e abrem o porta-malas e já deixam tudo pronto: Comida salgada ou doce, Gatorade, água, spray de água para jogar no corpo, gelo para colocar na cabeça entre o pano e o boné, gelo para o pescoço ou então coloca-se a cadeira para que ele se sente e fique uns 10 minutos descansando. 

Então Cory veio em nossa direção e Márcio neste momento caminhava. Ela falava: Márcio, what you want? E eu traduzindo, Márcio, quer alguma coisa? Ele não respondia e continuava caminhando. Cory então tirou os óculos dele e mais uma vez falou: Márcio? Ele não respondeu. E ela me falou: Não dá pra continuar, vamos leva-lo para o carro. 

 

Foi um momento de tensão e ansiedade de toda equipe. Estávamos preocupados com a condição física, emocional e mental dele. No carro Márcio se inclinou no banco e ali Geff e Cory iniciaram os procedimentos de checagem, dando água, cobrindo o rosto dele com pano umidecido, colocando gelo embaixo do braço, resfriando seu corpo. Cory tomou a decisão de naquele momento dar um tempo e voltarmos para o hotel em Furnace Creek para o Márcio recuperar as energias e voltar para o ponto de parada e assim terminar com sorriso no rosto ao invés de se esforçar e as coisas ficarem ainda piores. 

Todos consentiram e assinaram embaixo esta decisão e também o próprio Márcio, mesmo em meio a lágrimas concordou. (ATITUDE E PERSPICÁCIA – às vezes precisamos ter iniciativa e tomar decisões sábias em momentos cruciais). 

Esta foi a melhor decisão inclusive para toda equipe, que também estava cansada. Voltamos melhores do que estávamos e com gás suficiente para chegar ao final da double com sorriso nos rostos e muita disposição para comemorar! 

Segundo as regras da prova, é permitido o atleta ter atendimento médico, sair para descansar etc desde que marcando o ponto em que parou com a estaca fornecida pela organização da corrida contendo o número do atleta. Ao retornar ele retira a estaca e continua de onde parou. 

Estávamos de volta na corrida e passadas algumas horas estávamos perto de terminar com sucesso mais uma etapa em nossas vidas. Era noite e existem coisas que precisam ser feitas, existem algumas regras que podem ser quebradas. Uma delas era, àquela altura do campeonato, trafegar com o carro na contra mão, lado a lado com o Márcio e com a porta do carona aberta e um som bem alto. Nossa, como aquilo foi bom! Já havíamos feito isso aqui no Brasil na BR135, e levei esta ‘novidade’ para os companheiros de equipe alegando que o Márcio iria correr mais ainda e se sentiria inspirado. Ah, se tivéssemos aquela música do Raul Seixas – Tente outra vez. Márcio adora e toda vez que ouve, um novo gás toma conta do seu ser e ele voa baixo cheio de inspiração. Mas mesmo não tendo esta música, Márcio tinha ali 4 pessoas maravilhosas dando total apoio, se entregando àquele momento único e empolgante. Vale lembrar que ninguém trafega de madrugada pelo deserto, é extremamente raro ok? Tínhamos uma distância segura e todos ainda estavam sãos. 

Cory e Geff, faltando cerca de 1km para a chegada foram na frente com o carro e prepararam uma surpresa para o Márcio. Fizeram uma linha de chegada com papel higiênico, era o que tínhamos em mãos, e como foi lindo tudo isso! Posicionaram o carro de modo que o farol pudesse iluminar a faixa e o Márcio atravessou mais uma vez uma linha de chegada em pleno deserto. A atitude, a preocupação, o carinho. Estávamos ali, de volta no ponto mais baixo da prova, 855 metros abaixo do nível do mar, mas mesmo nesta sequidão e cansaço sobraram lágrimas e muita felicidade entre nós! 

 

 

Estávamos num momento único e extremamente felizes por conquistarmos esta vitória! 

OBRIGADO A TI JESUS, EM PRIMEIRO LUGAR! POR TUDO! Obrigado a todos que nos apoiaram, acreditaram, sofreram, riram. Aos que nos acolheram, nos deram suporte. Obrigado a todos!!! Até a próxima!

Fonte: http://toddnolimits.wordpress.com/2010/07/23/badwater-2010-relato/

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